O olhar da borboleta
Com o maior dos cuidados, avançou, sorrateiro.
Um passo, depois outro, depois ainda outro.
Estranhamente, ela não fugiu, estremecendo simplesmente as asas quando sentiu o “clique” da fotografia.
O fotógrafo estava encantado. Uma “Papilio machaon” , bem ali à sua frente, a pouco mais de dois metros de distância, imóvel, com um enquadramento perfeito, um fundo de vegetação escura... e sem qualquer réstea de vento... a fotografia perfeita.
Avançou um pouco mais, disparando sucessivamente.
Fotografar borboletas – diriam uns – poderia ser uma ocupação excêntrica, um clichê banal da fotografia de natureza ( fotos bonitas, coloridas, vistosas... ) – mas nada disso o afectava. As borboletas, como aliás todos os insectos, eram seres extremamente fotogénicos, elegantes, de uma pose natural que dispensava treinos e ensaios – já haviam nascido modelos.
Aquela borboleta andorinha, como era habitualmente conhecida, com os seus dois chifres amarelados, parecia no entanto estranhamente à vontade, sem se importar com os estalidos incessantes da máquina fotográfica – quando muito, abanava suavemente as asas acastanhadas, sem sequer levantar voo.
Aproximou-se um pouco mais – não estaria a mais de dois palmos de distância.
A borboleta fechou as asas e quando as reabriu, ocupou por completo o visor da objectiva – imóvel, serena, brilhante.
Apeteceu-lhe – de a ver ali tão perto – tocar-lhe, sentir-lhe a suavidade das asas coloridas, a leveza do corpo elegante.
Resistiu à tentação.
Aprendera há muito a não invadir aquele mundo mágico que ficava do lado de lá da sua objectiva – o encanto existia para ser visto e apreciado, não para ser tocado ou possuido. Quando muito, a fotografia tornaria eterno aquele momento fugaz de contacto íntimo, em que o fotógrafo e o seu modelo se fundiam, ela a desvendar-se perante os seus olhos, ele a saciar-se com a sua beleza.
E foi então que, num daqueles raros momentos que as fotografias nunca conseguem captar, um pouco de magia aconteceu.
A borboleta soltou o ramo onde pousara e com um suave bater das asas, veio pousar sobre a máquina fotográfica.
As antenas douradas agitaram-se, as asas estremeceram e ali permaneceu, nuns poucos segundos com sabor a eternidade, ambos a contemplar-se, quem sabe – olhos nos olhos – tocando o mundo imaginário de um qualquer conto de fadas.
Finalmente, levantou voo e afastou-se graciosamente, rumo a outro punhado de flores.
O fotógrafo permaneceu, porém, ainda a apontar a objectiva para o local vazio onde já não existia nenhuma borboleta.
A fotografia que recordaria para sempre – aquela borboleta ali pousada, a poucos centímetros do seu rosto – não ficaria registada em nenhum outro local, senão nas suas próprias memórias.
Guardou cuidadosamente a máquina fotográfica no respectivo estojo.
A borboleta dourada esvoaçava ainda ali perto, em redor de outro canteiro de flores amarelas.
Olhou para ela... e sentiu, sem perceber como, que ela lhe estava a retribuir o olhar...
Bom fim de semana...
14 de Junho de 2009 às 17:19